«As aulas começaram em Setembro. De repente estava-se na escola e a professora dizia: As vias do pensamento. Querendo dizer: a rádio e as comunicações telegráficas. Mas vias do pensamento era mais belo e de certeza mais exacto. Porque nada era tão veloz como o pensamento, nada corria tão longe, no mesmo instante, sobre os mares, até ao outro lado do mundo.
A professora é gorda e sem idade, e tem um ar doce de boneca de pano antiquada. O peito muito grande começa quase logo abaixo da cabeça, a pele do pescoço é caída e flácida. Repete sempre as mesmas coisas e usa o cabelo apanhado em volta da nuca, numa espécie de rolo grosso, preso de ambos os lados por travessas. De vez em quando espeta melhor os ganchos que seguram o rolo, e volta-lhes a ponta para dentro. Chama-se ganchos invisíveis, mas na verdade vêem-se. Caem no chão às vezes, ou em volta da cadeira.
Em geral ela não se senta durante muito tempo, passeia entre as cadeiras pela sala e em algumas ocasiões tem um ar quase aflito.
Eu sou, tu és, nós somos, diz Dona Eulália, e nós repetimos em coro, balançando nas carteiras, e escrevemos um F muito inclinado de Fevereiro e de Fanisse, um J de Jussa, um M de Margarida e de Miranda, um Y de Yasmin e um G de Gita.
Escrever é difícil, porque os dedos se ajeitam mal a pegar no lápis, ficam logo sujos e mancham o papel, o caderno dobra-se nos cantos e tem de se molhar o indicador na boca para voltar as folhas, e a borracha perde-se logo e tem de apagar-se com as mãos.
Dona Eulália senta-se outra vez na cadeira e abana-se com um leque chinês, de papel pintado. Ao leque ela chama: ventarola. E à tabuada também chama casa: A casa dos quatro, a casa dos cinco.»
[Teolinda Gersão, A árvore das palavras; Sextante, 6.ª ed., Maio 2008;
vezes um]
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