4 de janeiro de 2014

Nem sempre a lápis (465)

Memória descritiva
Mar
O mar chegava-me pela mão do meu avô.
O cão saía disparado do alpendre e denunciava-lhe a presença, a metros de distância.
Pouco depois o carro parava junto ao portão, onde o cão gania a reclamar as saudades de uma festa.
Como eu das suas histórias da Costa Nova, da Gafanha da Nazaré.
Do mar distante que me ensinou a ouvir num búzio.
Creio que o meu primeiro mar terá sido o da Figueira.
Como consta numa velha fotografia à-lá-minuta, encarrapitado numa BSA onde queimei um pé no escape.
Olho a fotografia, junto ao mesmo paredão onde anos mais tarde entreguei a minha vida a uma garraiada.
Sem capa, nem batina, e é tudo quanto me lembro dele.
Guardei-me para outras vagas.
Sem avô e com poucas fotografias, que troquei pelos equívocos da memória, onde convivem todos.
É assim que prefiro recordar-me do trovão de Mira e da Tocha.
Do larido de Porto Côvo e de Asilah.
Da filigrana vulcânica dos Biscoitos e da Serreta.
E já nem preciso de fechar os olhos, para que o meu avô me volte a trazer o mar pela mão.

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