17 de agosto de 2011

Nem sempre a lápis (201)

Não é no terminal do Marquês, é na paragem das Amoreiras que colho os ingredientes para o cheiro dos livros; em andamento. Surgem ao virar da esquina, quando apanho o 24 de memória e transponho o arco para atravessar o jardim a pé, paredes-meias com o sortilégio da água a gotejar e a hospitalidade do casal Vieira Arpad; seda e óleo de linhaça, carvão e lodo. Não me lembro de ver nódoas de amoras pisadas no chão, como as havia na feira de Mortágua; só me ocorrem horas autistas partilhadas com os bichos-da-seda numa caixa de camisa do meu pai, forrada com folhas no regresso da escola. Foi numa vinda a casa para almoçar, que perdi o meu primeiro cão; esqueceram-se de fechar a porteira. Tão desprevenido como ele, o Mondego, desço ao Largo do Rato e o cheiro a alcatrão fresco atropela-me e asfixia-me, leva-me de rojo pelo tapete engomado pelos cilindros, até à Cister; outra vez. Escorrego para fora da lava e refugio-me no atelier da Inês Mateus. Passinho manso a aspirar as transversais à Rua da Imprensa Nacional; outros cheiros e outras cores, vindos de prédios sem história. Viro na sombra de uma delas, já com as copas das árvores de outros jardins à vista e são mais do que sabia. Toco a campainha de uma porta de madeira, baixa, rematada por dois andares e uma varanda a toda a largura do pequeno prédio de origem. Ao cimo daqueles lanços de escada estreita - de madeira com currículo, encadernado a cera e corrimão de jardim, de ferro pintado a verde - a incredulidade espera-me sobre a mesa, ao lado do computador. Uma prova de capa e um ramo de trinta e duas páginas, divididas para quarenta e oito com as emendas colhidas pelo caminho. Tenho-as à minha frente, em cima da mesa 114 da esplanada do Príncipe Real, onde há pouco mais de um mês nos sentámos a uma outra, sem percebermos em que camisa de onze varas me metia. Na sacola, junto com as provas domésticas impressas pela miúda da boina, trouxe Agostinho da Silva (As Aproximações, Guimarães Editores, composto e impresso em Abril de 1960). Enquanto espero por ela, para lhe pregar a partida e saber como vamos de música e de leitura, esparramo-me no cheiro dos livros trazido pela brisa, que antecede a hora de repousar na ausência do banco.

4 comentários:

imo disse...

Para breve? :)

fallorca disse...

Dentro de um mês e pouco no Porto?
Quem sabe... ;)

Ines M disse...

gostei imenso da leitura dos teus olhos sobre esse momento partilhado!

fallorca disse...

Ah, sua marota... Agora percebi quem és :)
(realmente, a foto só tem "duas semanas", fiufiu...)