«Os dois podengos ergueram-se a uivar do alpendre, com cerdas eriçadas de javali e os olhos revirados, e desceram ao encontro das trevas exteriores. O velho pegou na caçadeira e espreitou através da vidraça deformada da sua janelinha. Três homens subiram os degraus e um bateu à porta. E quem ‘tá aí? Um ministro do Senhor. O ténue clarão da cadeia a derramar-se ao longo da porta, o rosto sorridente, a barba negra, o fato negro muito justo e coberto de poeira. Num bruxulear prolongado e vivo, a luz percorreu a lâmina da faca no momento em que esta se lhe enterrou no ventre com um sopro abafado de gás. Sentiu subitamente um grande frio a invadi-lo. Os cães tinham desaparecido e não havia réstia de som em nenhum recanto da noite. Ministro?, disse ele. Ministro? O assassino sorriu-lhe com dentes cintilantes, os rostos dos outros dois a espreitarem-lhe por cima dos ombros numa perversidade consubstancial, uma trindade lúgubre que o observava sem palavras, afável. Ele baixou o rosto para o punho do homem, fechado em concha contra o seu próprio estômago. O punho subiu numa erupção de vísceras retalhadas até a lâmina se prender na junção do esterno, e ele ficou ali de pé, esventrado. Estendeu o braço e apoiou a mão na ombreira da porta. Deu um passo atrás, como que para lhes dar passagem.»
[Cormac McCarthy, Nas Trevas Exteriores; trad. Paulo Faria, Relógio D’Água, Junho 2011;
com licença]
com licença]
Sem comentários:
Enviar um comentário