«– Os carros – disse, pensativo, o dinamarquês – têm qualquer coisa de essencial. Creio que é da representação da distância que vem a sua força, esse encanto de que qualquer charlatán sabe valer-se montando a sua tenda num carro para vender restauradores capilares ou elixires da longa vida. Isto dos carros já vem de longe. E o que vem de longe é sempre especial.
Pensei, ao ouvir estas palavras, num curioso livrinho que há pouco tempo me caiu nas mãos, num antiquário de Munique, e que pertencia a um lote de livros procedente de uma extinta companhia de mala-posta. Chamava-se “O carro e as suas transformações ao longo dos tempos”. Comprei-o picado pela curiosidade e por causa do seu formato sugestivo, mas trago-o sempre comigo. Tinha-o comigo nessa altura e quando me cansei do espectáculo, recostei-me na minha cadeira e pus-me a folheá-lo.
Vinham lá representados todos os tipos de carros e carruagens e num apêndice também o carro-barco – o carrus navalis, donde muitos pensam que deriva a controversa palavra “carnaval”. Esta origem parece ser mais aceitável do que a etimologia monacal de trazer por casa que encontra na palavra uma alusão à quaresma e lê aí carne vale! Olá, carne. Mais tarde, quando se aprofundaram mais as coisas, recordou-se o antigo costume de festejar com um alegre cortejo a devolução dos barcos à água, a seguir às intempéries do Inverno, e foi então que se pensou nos carros-barcos latinos.»
[Walter Benjamin, Historias e Contos; trad. Telma Costa, Teorema, 1992]
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