13 de agosto de 2011

Papiro do dia (115)

«A mãe abriu de par em par os seus enormes olhos verdes e acariciou-lhe a testa vasta e formosa: Mara, quando o teu pai e eu nos conhecemos, o teu pai tinha uma namorada e, eu, outro namorado. Eu era troska, ele era monto. A minha melhor amiga e eu passávamos a vida a discutir com os montos, não sei porquê, mas eram lindos. Tinham umas enormes bigodaças, o cabelo comprido, e eram intelectuais comprometidos. Uma noite, havia eleições na faculdade e fomos armar barraca para a rua. Estávamos bastante bêbedos e a Liliana pôs-se aos amassos com um das FAR. E olha, pim pam pum catrapum, os tipos do PST são mesmo parvos (o Partido Socialista dos Trabalhadores, lembras-te de te falar dele, quando te disse que o tio Rover era militante e depois se foi embora?), e eu gostava muito do da Liliana, mas houve um apagão e eu acabei por ir para a cama com o amigo dele, o Martí. O Martí foi assassinado dois dias depois, e o Juan Carlos (o pessegão) foi ao dentista chumbar um dente no dia seguinte. Veio ver-me a minha casa (eu vivia com a Liliana, mas era óbvio que ele me queria ver a mim, porque quando aparecia à janela que dava para a rua fez um sinal e eu desci clandestinamente para me encontrar com ele noutra esquina. Estava um bocado de frio, mas comemo-nos mesmo ali, contra a parede, não te incomoda que eu te conte estas coisas, pois não?) e contou-me que ia para Formosa, que estava para acontecer uma operação importante. E eu disse-lhe: Ó Juan Carlos, eu gosto muito de ti, mas sou troska até à raiz dos cabelos, e então ele pediu-me que fosse acordar a Liliana. Foram ambos mortos em combate. Sempre que olho para esta data, penso em ti e congratulo-me por ter permanecido fiel aos meus ideais, à minha forma de ver a revolução, e penso em ti e no teu irmão e no que poderia ter sucedido se tivesse havido outro apagão, se eu não tivesse tido a lucidez de dizer: sim, é muito bonito, é monto, mas quero lá saber; trata-se de ideologia, não de concurso de quecas.»

[Pola Oloixarac, As Teorias Selvagens; trad. Margarida Amaro Acosta, Quetzal, 2011;

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