«A censura é tão velha e omnipresente como a escrita. Nunca deixou de estar presente ao longo da história do catolicismo romano. Participou em todas as tiranias, da Roma imperial aos actuais regimes totalitários. É pura e simplesmente impossível arrolar o número impressionante de textos que foram rasurados, expurgados, falseados ou totalmente silenciados. As auto-proclamadas democracias também não têm as mãos limpas.
Porém, há duas matérias de reflexão que vêm complicar ainda mais esta análise um tanto sombria. Em primeiro lugar, a relação entre censura e criatividade pode revelar-se estranhamente produtiva. O milagre literário do período isabelino ou o da França de Luís XIV, como a história gloriosa da poesia e da ficção russas de Púchkin a Pasternak e a Brodsky parecem articular-se, numa dialéctica complexa, com as pressões que na altura se faziam sentir e com a ameaça da censura. O que quer que faça com que uma grande literatura seja subversiva, que diga “não” à barbárie, à estupidez, àquela ética capitalista, degradada, do consumo massificado que desvaloriza o nosso trabalho e as nossas vidas, essa qualquer coisa brotou sempre, como reacção, do território da censura e da opressão. “Esmaguem-nos”, dizia Joyce à censura católica, “que nós somos como as azeitonas.” Ou, como sussurrava Borges: “A censura é a mãe da metáfora.” Quando o aparelho de repressão cede aos valores veiculados pelos mass media ou ao matraquear da publicidade, como acontece hoje em dia na Europa ocidental, assistimos ao triunfo da mediocridade.»
[George Steiner, O Silêncio dos Livros (seguido de Esse vício ainda impune, de Michel Crépu); trad. Margarida Sérvulo Correia, Gradiva, Junho 2007]
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