18 de maio de 2010

À mão de ler (22)

«Encontrava-me numa cabana de madeira construída sobre uma cascata. O ruído da água a cair era ensurdecedor e passei a noite de Ano Novo agradavelmente acordado, a imaginar o estranho 1993 que estava a principiar. A omeleta de ovos de formigas vermelhas que me prepararam para a “ceia de passagem de ano” pareceu-me perfeitamente adequada para assinalar a invulgaridade da ocasião. Quando o meu relógio marcou, indiferente, a meia-noite, a decisão de não voar já se tornara clara. Aquela lenta e antiga descida do Mekong de barco já imprimira um novo ritmo aos meus dias. Todavia, pareceu-me estar a fazer uma coisa arrojada, quase proibida. Após uma vida sensata, sob o signo da razão, permitia-me agora uma decisão fundamentada na mais irracional das considerações, impondo a mim próprio uma limitação insensata.
Na manhã do primeiro de Janeiro de 1993, para acrescentar simbolismo à minha decisão, quis dar no dorso de um elefante os primeiros passos no novo ano. A pista para Pakson atravessa um vale que em tempos muito distantes foi a cratera de um vulcão. A erva era alta e intensamente verde, salpicada aqui e além pelos brilhantes penachos prateados do lulan, suavemente agitados pelo vento. A cesta do elefante era incómoda e pouco firme, mas a altura era perfeita para me permitir apreciar o mundo de uma perspectiva diferente.»
[Tiziano Terzani, Disse-me Um Adivinho; trad. Margarida Periquito, Tinta-da-China, Novembro de 2009]

2 comentários:

Pó dos Livros disse...

é um ganda livro, não é?

jaime

fallorca disse...

É grande, sim, são uma porrada de páginas; mas olha que o prazer de o ler é ainda muito maior :)