
– É um tipo formidável – disse Katsimbalis, quando regressávamos a pé ao hotel. – As mulheres são loucas por ele. Tem uma teoria interessante acerca do amor… arranje maneira de ele lhe falar a esse respeito, em qualquer ocasião.
Falar de amor trouxe o nome de Bobolina à conversa.
– Por que será que não ouvimos falar mais de Bobolina? – perguntei. – Ela parece outra Joana d’Arc.
– Hmm – resmungou, parando repentinamente. – Que sabe você de Joana d’Arc? Sabe alguma coisa a respeito da sua vida amorosa?
Ignorou a minha resposta e continuou a falar de Bobolina. Contou-me uma história maravilhosa, e não duvido que verdadeira, na sua maior parte.
– Por que não escreve essa história pessoalmente? – perguntei-lhe de chofre. Alegou que não era escritor, que a sua missão era descobrir pessoas e apresentá-las ao mundo. – Mas eu nunca conheci nenhum homem capaz de contar uma história como você – insisti. – Por que não tenta contar as suas histórias em voz alta, deixar alguém anotá-las enquanto as conta? Não é capaz de fazer isso, pelo menos?
– Para contar uma boa história – respondeu – é preciso ter um bom ouvinte. Não sou capaz de contar uma história a um autómato que escreve em estenografia. Além disso, as melhores histórias são aquelas que não queremos preservar. Se temos algum arrière-pensée, a história está perdida. Tem de ser uma dádiva pura… temos de atirá-las aos cães… Eu não sou escritor – explicou –, sou um tipo improvisador. Gosto de me ouvir a mim próprio falar. Falo demasiado: é um vício. – E depois acrescentou, pensativamente: – Para que serviria ser escritor, um escritor grego? Ninguém lê grego. Aqui, se um homem consegue ter mil leitores, está cheio de sorte. Os gregos instruídos não lêem os seus próprios escritores, preferem ler livros alemães, ingleses, franceses. Um escritor não tem hipótese nenhuma na Grécia.
– Mas a sua obra podia ser traduzida para outras línguas – sugeri.
– Não há nenhuma língua que possa transmitir o sabor e a beleza do grego moderno – respondeu-me. – O francês é rígido, inflexível, eivado de lógica, demasiado preciso; o inglês é demasiado monótono, demasiado prosaico… vocês não sabem fazer verbos em inglês. – Continuou a brandir irritadamente a bengala. Começou a recitar um dos poemas de Seferíades, em grego. – Ouviu? O simples som é maravilhoso, não acha? O que é que me pode dar em inglês capaz de lhe equivaler em pura beleza de ressonância? – E, de súbito, entoou um versículo da Bíblia. – Isto está mais em conformidade – declarou. – Mas vocês já não usam esta linguagem, agora é uma língua morta. A língua, hoje, não tem entranhas. Vocês estão todos castrados, tornaram-se homens de negócios, engenheiros, técnicos. Soa a dinheiro de madeira a cair num esgoto. Nós temos uma língua… ainda estamos a fazê-la. É uma língua para poetas, não para lojistas. Escute isto…»
[Henry Miller, O Colosso de Maroussi; trad. Fernanda Pinto Rodrigues, Livros do Brasil, Lisboa 1996]
1 comentário:
O Colosso de Marússia, um dos melhores livros ue já li!
Enviar um comentário