12 de dezembro de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (57)

«Rodeada por uma sebe quase com dois metros, aquela casa fora o primeiro sintoma de que tinha havido uma mudança depois "daquilo da lotaria". Eram só sons: um bola a bater na rede de uma raqueta, risos e suspiros de cansaço que pareciam anunciar alegria ao jantar, twist na praia, outro mundo atrás de uma enorme vidraça que um dia teria de atravessar sem violência, uma intuição de que a vida podia ser detida e aproveitada no preciso momento. Uma intuição remota. E equivocada. Os habitantes da casa eram os Codina. E os Codina e as suas actividades eram debatidas no lar dos Losada como se lessem títulos de jornal. "Os Codina estiveram na festa dos Grajal." "Os filhos dos Codina vão passar o Verão em Inglaterra." "A filha dos Codina casou-se." "Os Codina estão arruinados." "Os Codina divorciaram-se." Os pormenores do caso escaparam a Ignacio por manifesta falta de interesse, mas não deixou de sondar por entre os ciprestes. Quando todos tiveram de partir, um boxer acorrentado que, segundo imaginava, nenhuma das duas partes queria, uivava nos momentos de fraqueza e puxava a corrente com raiva. Quando conseguiu soltar-se, também se foi embora. O encarregado da sua alimentação, o porteiro de um edifício próximo, veio um dia e não viu ninguém, arrancou dois candeeiros do jardim, meteu-os num saco de plástico amarelo e desapareceu para sempre. Ignacio começou a colar-se àquela ruína familiar e passeou-se pelo campo de ténis abandonado, pôde palpar a decadência da rede e dos traços brancos que delimitavam o campo, como a piscina se enchia de água esverdeada. Por vezes, quando explorava aquele jardim, um telefone uivava no interior da vivenda. Assustava-se. Quando o silêncio voltava, sentado nos degraus de terra que conduziam ao que tinha sido uma ampla vidraça e, talvez, ao salão que agora permanecia enclausurado por uma dissuasora persiana de madeira escura, punha-se a desenhar detalhes da casa e do jardim: os telheiros, o campo de ténis, a escada da piscina. Era o seu lugar de retiro. Em dez anos, ninguém tinha comprado a casa e a única referência quanto à propriedade eram comentários do seu pai sobre a irresponsabilidade, o abandono e a saúde pública. Ultimamente, Ignacio regressava aos restos saqueados, a grade ferrugenta tombada como um ferido de morte sobre o campo de ténis esquartejado, a terra abandonada e o matagal demente do que fora um jardim; ainda pensava que se podia continuar a deter o tempo, nem que tivesse de ser em solidão, que não teria de ir para nenhum sítio, nem ficar, era simples pensar que os risos e o som elástico permaneciam ali.»
[Francisco Casavella, Um Anão Espanhol Suicida-se em Las Vegas; em tradução para a Minotauro;

3 comentários:

redonda disse...

Gostei.
Vou procurar o livro.

fallorca disse...

Redonda, calma... Ora leia bem a situação do excerto: «em tradução» :)
Enquanto espera por este, dê uma vista de olhos ao catálogo da Minotauro
http://www.minotauro.com.pt/

redonda disse...

Vou esperar então...:)
(já tenho outros livros da Minotauro, o último que li foi "As mãos pequenas" de Andrés Barba)