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Não me lembro do que fiz a seguir. Talvez tenha ido visitar o Benny Cohen, que vivia num quarto por cima do Grande Mercado. O Benny tinha uma perna de pau com uma portinhola, onde guardava cigarros de marijuana. Vendia-os a quinze cêntimos cada um. Vendia também jornais, o Examiner e o Times. No quarto de Benny havia pilhas de exemplares da The New Masses. É possível que dessa vez, como de costume, ele me tenha angustiado com a sua negra e terrível visão do mundo futuro. Talvez me tenha admoestado, agitando sob o meu nariz os dedos manchados, por eu ter traído as minhas origens proletárias. Talvez, como de costume, eu tenha saído de lá a ferver de indignação, descendo as escadas poeirentas até ao nevoeiro da rua, cheio de vontade de esganar um imperialista. Talvez sim ou talvez não; não me recordo.
Dirigi-me ao Bairro Mexicano com uma sensação de náusea sem sofrimento. Eis a Igreja da Nossa Senhora, muito antiga, o adobe das paredes enegrecido pelo tempo. Por razões sentimentais, entrei. Apenas por razões sentimentais. Não li Lenine, mas já o ouvi citado, a religião é o ópio do povo. A falar comigo próprio nos degraus da igreja: sim, o ópio do povo. Sou ateu: li O Anti-Cristo, que considero uma obra capital. Acredito na transmutação dos valores, meu caro senhor. A Igreja tem de ser eliminada, é o refúgio da burgessia, a classe dos burgessos e dos casca-grossa e dos charlatães de segunda.»
[John Fante, Pergunta Ao Pó; trad. Rui Pires Cabral, Ahab, Outubro 2009;
2 comentários:
Este excerto está repetido no papiro do dia (12) ;-)
Pois está, baralhei-me...
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