9 de fevereiro de 2012

«É bom trabalhar nas Obras» (102)

«As escadas do meu prédio jogaram um papel na minha educação que os meus pais nunca suspeitaram. Tratava-se de um lugar bastante fresco e solitário, iluminado apenas o indispensável por umas janelas de tijolo de vidro. Nelas, quase acidentalmente, levei a cabo uma descoberta importante relacionada com o meu corpo. Ocorreu durante umas férias em que fazia muito calor. Uma das minhas brincadeiras favoritas consistia em subir aos saltos, de dois em dois, os degraus de tijolo e descer a escorregar pelo corrimão de ferro que havia para nos segurarmos. Era uma coisa que eu tinha praticado muitas vezes, mas de maneira bastante inócua. No entanto, essa tarde, por uma razão que não saberia explicar, a sensação revelou-se surpreendentemente agradável. Era como umas cócegas, logo acima da entreperna, que exigia que o repetisse uma e outra vez, cada vez mais rápido. Era o contraste total: a sensação de estar ali oculta, ao abrigo dos olhares, e, ao mesmo tempo, o perigo de que passasse alguém e me encontrasse entregue a esse jogo que adivinhava inadequado; a frescura do corrimão e o calor da fricção provocavam um calafrio viciante no meu corpo. Aquelas sensações abriram-me, em questão de segundos, as portas para o mundo paradisíaco do onanismo, como quem tem acesso a uma segunda dimensão ou descobre uma substância psicadélica. A última coisa que me ocorreu nesse momento, foi relacionar aquilo com os longos e aborrecidos discursos dos meus pais sobre as funções do sexo. Tanto assim é que uma tarde, com a maior das inocências, revelei à minha mãe o motivo por que passava tanto tempo nas escadas de serviço e, para minha surpresa (provavelmente para a sua também, doutora Sazlavski), não lhe pareceu uma ideia nada boa que a sua filha se masturbasse num espaço tão exposto como aquele, por onde não circulava ninguém, mesmo fazendo-o vestida e a fingir que brincava a outra coisa qualquer. A sua reacção foi muito mais próxima da vergonha do que da exaltação e, como se se tratasse de uma coisa quase reprovável, pediu-me que fizesse "isso" unicamente no meu quarto onde, naturalmente, também dormia o meu irmão. E foi assim que, em plena década dos setenta, me incorporei na ancestral tradição dos onanistas de closet, essa legião de crianças que raras vezes assomam a cabeça acima dos lençóis. Devo admitir, no entanto, que a minha obediência não foi completa. Voltei muitas vezes à escada, muitas mais do que as que a minha mãe imagina, redobrando a vigilância para que ninguém me visse entregue ao refrescante ritual. Ainda me surpreende recordar as coisas que me excitavam nesses primeiros anos. Tratava-se de eventos pouco previsíveis como palavras, entoações de voz, ou presenciar um beijo na via pública, mas também certos sons, como o assobio do vendedor de batata-doce ou do amolador. Todas essas insignificâncias eram um apelo para correr para o corrimão ou para o meu quarto. Às vezes, vejo cachorros que, perante qualquer possibilidade de fricção, se abandonam publicamente aos prazeres de Onan. Eu era assim, aos seis anos. Uma menina incontinente que sucumbia a uma espécie de desejo pelos móveis, os braços da poltrona, a beira de uma mesa, a beira frontal do lavatório, os tubos de metal que seguravam os balancés.»
[Gudalupe Nettel, O corpo em que nasci; em tradução para a Teodolito] 

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