7 de fevereiro de 2012

Papiro do dia (184)

«Talvez escrever signifique colmatar espaços brancos da existência, esse nada que imprevistamente se abre nas horas e nos dias, entre os objectos do quarto, sorvendo-os numa desolação e numa insignificância infinita. O medo, escreveu Canetti, inventa nomes para se distrair; o viajante lê e anota nomes nas estações que deixa para trás com o seu comboio, nas voltas dos caminhos por onde o levam os seus passos, e continua um tanto aliviado, satisfeito com essa ordem e esse escandir do nada.
Sigmund von Birken procurava os nomes verdadeiros das coisas e pusera-se a viajar, como dizia, para observar directamente a fonte do Danúbio, sobre o qual tantos haviam escrito mas que poucos se tinham dado ao trabalho de ir ver. Não o convencia plenamente a Cosmografia de Sebastien Münster, que referia a origem do Danúbio ao dilúvio universal (XI, 11) e queria verificar se o nome do rio podia ser realmente remetido para o rumor, para o fragor das suas nascentes, conforme algumas etimologistas sustentavam. O seu gosto barroco pelos gracejos e extravagâncias não podia em todo o caso induzi-lo a comprazer-se no imaginar o grande rio tornado seco pelo fechar de uma torneira.»
[Claudio Magris, Danúbio; trad. Miguel Serras Pereira, Quetzal, Março 2010;
funileiro]

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