13 de fevereiro de 2012

«É bom trabalhar nas Obras» (103)

«- Filhinhos, escutem-me bem – disse, sentada na cabeceira da nossa mesa de cedro. – O mundo que vos vai calhar, quando crescerem, será muito mais duro e difícil do que o vosso pai e eu tivemos. Por isso vão ter de estudar e prepararem-se para o enfrentar. Entretanto, contem comigo para vos encaminhar para um futuro a salvo de tudo.
Para o caso das implicações desta promessa escaparem a alguém, o que a mamã estava a dizer entrelinhas era que não nos iria deixar em paz um minuto da nossa vida enquanto não alcançássemos um título universitário útil (pelo menos uma formatura) e, a seguir, um trabalho estável graças ao qual pudéssemos poupar toda a vida, como ela fazia. Apesar do que lhe possa parecer, doutora Sazlavski, a minha mãe era também uma pessoa incrivelmente carinhosa, em parte por natureza mas também com o objectivo de educar seres humanos sensíveis, capazes de receber e transferir afecto. Sei pertinentemente que todas as pessoas vêem a sua mãe como uma pessoa bonita mas, digo-lhe com toda a franqueza – e não há ninguém que se tenha atrevido a contradizer-me –, a mamã superava as fasquias de beleza não só mexicana como as de qualquer país com possibilidades de concorrência. Não lia livros sobre educação (seguramente, pensava que ninguém podia ensiná-la), em contrapartida lia religiosamente Wilhelm Reich e a sua teoria do orgasmo como remédio santo. Enquanto o meu irmão e eu construíamos castelos de areia nas praias onde o meu pai nos levava, a mamã participava em seminários em Santa Bárbara sobre como desbloquear a sua energia sexual, quando, na realidade, teria feito melhor se tivesse ido a um consultório para aprender a contê-la. A minha mãe estava decidida a deixar para trás todas as suas inibições e a impedir que nós adquiríssemos as nossas.»
[Guadalupe Nettel, O corpo em que nasci; em tradução para a Teodolito;
envelhecer]

3 comentários:

Nuno Monteiro disse...

Olá Fallorca

a esta hora, a propósito do excerto, deve haver muita senhorita de bem, a rogar pragas a tudo e ao vento só porque os filhinhos tiraram os cursos e agora nada, népias, Bahhhh, merda de título!

ando à procura do "seu" "os dias do arco íris"

vamos falando

Nuno Monteiro disse...

A propósito, Vila Real foi à um ano, precisamente um ano e três dias!

Li algures que o Villa Matas anda entretido a escrever ao "Bob Dylan"?

fallorca disse...

É verdade, foi há um ano :)
Abraço