26 de julho de 2012

Nem sempre a lápis (302)

Animais domésticos
(1970/80)


5. Era uma casa ao contrário, habitada por árvores que cresciam na sala, e mães religiosamente guardadas dentro do seu significado inquieto.
Os tecidos atravessavam os corredores velozes. Ou as cadeiras davam luz nas paredes, quando as mães se interrogavam sobre a ilha:
um lugar silenciosamente violento, poisado sobre a água como um retrato de infância, de onde emergiam vozes no início das estações.
A casa inteira escutava as profecias da ilha. As mães sentavam-se em círculo e pariam instrumentos de música ou suicídio, enquanto as portas se abriam com estrondo para as árvores públicas.
E vinham notícias aterradoras durante as refeições:
parques abertos nos livros novos; uma cidade incendiada por um gesto magnífico; um país dentro da boca de uma criança; ou pequenos crimes domésticos.
Depois, voltava tudo ao princípio:
os inquilinos fitavam-se ferozes, seguindo-se a fuga em massa para a praia, que tinha o dom de se transformar em espelho.
As aves frequentavam então as árvores, que agora ocupavam a casa toda, e escreviam nas paredes nomes inexistentes e acontecimentos históricos, por entre intenso colorido.
As mães nunca mais voltaram da praia, que tinha dado lugar a uma casa azul, com as portas e as janelas fechando-se com estrondo, sempre que uma ave vinda da ilha procurava as árvores.

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