29 de julho de 2012

Nem sempre a lápis (303)

Animais domésticos
(1970/1980)


7. Jardins tristes da minha idade – nojentos, breves – atravessados por buracos donde me sopravam o nome.
Pedras sonoras retiradas das aves, depois dos meses, quando regressava ofegante e estúpido da escola. Uma fonte.
Percorri-os todos. Soube-os durante as refeições, prostrado frente à transmutação da estátua em peixe libertino.
As pessoas falavam:
os braços moviam-se com exaltantes movimentos lentos, por dentro das frases assombrosas.
Apercebi-me – ou decidi, já não sei bem – que tinham sido decifradas nos textos velhos
expulsas pela boca de um sexo mudo e irreal.
Aprendi-lhes os gestos desajeitados, a memória branca, o sorriso idiota
como gravuras, figuras pardacentas dos compêndios, devassados por uma inteligência solitária.
Inventei-lhes um nome, uma profissão, uma doença. Dei-lhes buracos onde se pudessem esconder, e realizar as suas funções fastidiosas
onde se desesperassem até à raiva, devorando-se mutuamente. Ou apodrecessem de tédio.
Um dia assaltaram-me o jardim, de dentes cerrados. Os rostos mais inexpressivos e estúpidos do que nunca.
Sentia-lhes a respiração nas minhas costas.
A beleza, pediam-me desencantados, a beleza. – E eu tinha apenas um jardim cheio de pedras e imaginação à hora das refeições.
Então, o peixe libertino voltava à sua primitiva inquietação, com um braço esticado de dentro da estátua.
O meu nome encravava-se nos buracos, enquanto as aves grasnavam alto, sobre a voz petrificada da população.
O remorso – ensinaram-me durante as refeições – é um jardim invadido pela respiração das pessoas.

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