«Quero dizer antes de mais que Clarence era uma pessoa sinceramente afável, embaraçosamente afável, achava eu, quando íamos a festas e ele fazia figuras tristes. Na presença de certo tipo de pessoas – com uma inteligência ou um talento acima da média, ou com muito dinheiro, o género de pessoas que não conseguia deixar de achar bem-sucedidas – sentia-se intimidado, por causa das suas origens e porque ele próprio foi, mesmo no seu age, apenas em parte bem-sucedido, e depois tornava-se odioso ao fim de uns copos, apesar de começar por ser incrivelmente afável, e com “incrivelmente” quero dizer “efusivamente”. Fazia isso porque, ao mesmo tempo que tentava mostrar esse tipo de afabilidade, estava também a tentar defender-se e era frequente acabar a falar daquele modo espalhafatoso, incoerente, que as pessoas acham tão irritante. Curioso era que quanto mais ele se tornava um escritor de festivais mais britânico ficava, embora nunca tivesse vivido na Grã-Bretanha, excepto, como acho que já disse, durante algumas semanas num Verão – britânico na maneira de vestir, na pronúncia, até no vocabulário – e quanto mais bebia mais imperialmente inglês se tornava, até estar bêbedo que nem um cacho e de repente voltar a ser um típico filho da Carolina do Norte. Clarence, quando começava a ficar alegre e a falar sem parar, reparava no meu silêncio de desaprovação e dizia qualquer coisa como: “Pareces muito chateada, miúda.” Eu odiava que ele me tratasse por miúda. Claro que depois arrependia-se. Às vezes, após uma noite a dar espectáculo, quando voltava a ficar sóbrio e eu lhe explicava o que tinha acontecido, encurvava-se a tremer, cheio de remorsos – no chão, por vezes na terra húmida, as folhas e as ervas deixando nódoas no seu casaco – e choramingava de mortificação e vergonha. As ressacas físicas deviam ser também horríveis.»
[Sam Savage, As recordações de Edna; trad. Sofia Gomes, Planeta, Janeiro 2013;
2 comentários:
quero muito muito ler este livro :)
Continuo fiel ao «Firmin» ;)
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