9 de dezembro de 2013

Nem sempre a lápis (460)

Memória descritiva
Lisboa
Foi sempre uma miragem.
El Dorado de puto encurralado pela tacanhez da província.
Abordei-a várias vezes, mas adiava-me a adopção.
Depois do Natal, das férias, empoleirava-me no banco de trás do carro, e via-a afastar-se até se diluir nas brumas do futuro.
E quando o futuro chegou, já me tinha tirado os três e mostrado os becos do medo.
Já lhe conhecia a vocação torcionária e os labirintos do cinismo.
Nunca me apaixonei pela luz de Lisboa.
E nunca me senti reconfortado pelos ocasos que lhe douram o Tejo.
Mas lambi-lhe o caleidoscópio dos azulejos.
Apertei a mão a dezenas de batentes de casas mudas e portas que não se abriram.
Lisboa era um barco naufragado.
Uma cacofonia de gentes e costumes.
De sabores novos e fogareiros a carvão, que crepitavam nas esquinas do Bairro.
Um concerto de rotativas de jornais onde me gastei.
Sem prazer, nem glória de 3ª. página.
Cedi à tentação de me oferecer à cidade, sem que ela me pedisse.
Ou desejasse mais um.
Lisboa conhecia mil e uma manhas para me enlear, e eu não dispunha de defesas.
Ou vontade de me furtar à sensualidade das ruas coleantes.
Aos seios úberes das colinas e não me saciar no rio.
Decorridos todos estes anos, nunca consigo dizer que sou de Lisboa.
Eu também não acredito.

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