«Varsóvia tinha caído. Sentia-me tão perto dos polacos, um povo com um destino obstinado e implacável, que, de vez em quando, é destruído brutalmente! E isso também era o sentido verdadeiro da sua sorte: com que tipo de energia atroz e com que exuberância tenaz conseguiram renascer sempre das suas terríveis desgraças! É um povo que está intimamente ligado à música. Estava a pensar nisto, enquanto lia os títulos dos jornais da véspera que anunciavam em letras grandes a queda de Varsóvia, logo depois veio-me à cabeça Chopin. Mas o que é que posso fazer pelos polacos?... Eu só sei dirigir-me ao mundo na linguagem da música e agora, quando no continente ressoava a agonia de uma nação ferida mortalmente, não podia fazer outra coisa que interpretar numa sala de concertos europeia o som mais nobre com que esse povo se virara para a humanidade: fazer reviver a música de Chopin. (…) Na altura do público pedir bis o que iria interpretar? Seria uma peça de Tchaikovsky para eternizar o momento histórico? Deveria tocar o russo, a par do polaco e do alemão, que tentavam estabelecer, através do poder musical. Uma harmonia intensamente negada pelo furor que dominava então na terra. À noite, depois da queda de Varsóvia, refletia sobre estas questões no comboio que me levava a Itália. Sabia que esta emoção sublime de explicar o meu empenho era mais do que um simples encadeamento de ideias. Era uma espécie de serviço; e nisso o embaixador tinha razão. Ia interpretar música polaca, alemã e russa num mundo que já não queria ouvir outra coisa senão os seus próprios gritos de agonia. Dobrei os jornais e paguei a conta.»
[Sándor Márai, A irmã; trad. Piroska Felkai, Dom Quixote, Novembro 2013]
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