«Às vezes dou por mim a pensar na vida clandestina de certos pensamentos daninhos. Afigura-se-me um enigma: é o segundo nome que adquire a sua presença. Sei de uma interpretação do mito do labirinto de Creta. Minos tem pesadelos nas quais Astério tem nojo de comer aqueles que tentam usurpar-lhe o reino. Os jovens que devem a vida ao tédio escondem-se atrás de paredes de fúria e conspiram nas entranhas do castigo a criação de uma nova raça. O poder consiste em aterrorizar o medo, pensa Minos, aqueles muros foram feitos para multiplicar a minha força. O terror é a rocha que dá forma aos pensamentos e os divide. Minos não consegue deixar de pensar, pois os seus pensamentos refletem a luta silenciosa que, ao fim de um certo tempo, se converterá em homens-saque. A esposa, Pasífae, observa-o em silêncio, apoiada numa coluna de ónix. Esqueceu os seus amores com touros desde que viu a humanidade a fugir do rosto do pequeno; esvaiu-se em sangue de tanto esperar. O pormenor empírico do mito é que Pasífae gostava do acesso à bruta, que deriva do grego “sexo de assento”.
Minos ainda não sabe que a conspiração, para a qual o magnífico labirinto foi criado, é uma forma de agradecimento dos partisans. Que para os fazer sair do seu esconderijo, dos seus disfarces de doninha, tem de apelar à crueldade da qual deriva a sua força. Intui, graças a esta seita apócrifa de pensamentos, que a análise da ferocidade, o corpo moroso das suspeitas, o acabou por obrigar a erigir-se numa pura forma de domínio e de destruição física. Não basta ter dado um filho bastardo à causa (Astério, fruto do desejo de uma rainha que combinou a luxúria dos homens com a dos animais, não tem causas própria): o pensamento do exército tem de condescender à sua forma física. Entretanto, no centro do labirinto e através da espessura dos dias e dos túneis, em cada um dos seus meandros, os muros rezam: Quando o Estado se vir obrigado a erigir-se numa pura forma de domínio e de destruição física, as condições para a vitória da revolução estarão reunidas. Os muros, mas mais ninguém reza, estão todos mortos.»
[Pola Oloixarac, As Teorias Selvagens; trad. Margarida Amaro Acosta, Quetzal, 2011;
1 comentário:
da leitura do texto:
é uma/um adolescente quem vai desfiando o pensamento e foi um estado de espírito que se blindou em redor dos jovens desempregados e sem perspectivas de trabalho; boa antevisão de ideias entre o mito e esta vida-morte labiríntica - para um livro publicado em finais de 2008; e se for impossível de obter esse poder de aterrorizar o medo, então, que mais nos restará?
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