19 de abril de 2011

Nem sempre a lápis (153)

Tocaram a campainha à hora agendada e não combinada. Não são visitas; em três anos, contam-se pelos dedos de uma mão e sobram, as que houve. Mostrei a casa a uma interessada, a uma pretendente do meu espaço, acompanhada pela consultora imobiliária. Os termos e a atitude com que tenho lidado na última semana; pasmo a lê-los. Não há-de ser nada. Saíram e fui arejar, disposto a beber um chá para me serenar a garganta defumada. Dei por mim a acelerar o passo, temível, à vista da minha mesa desocupada. Marquei-a com a lata e a onça de tabaco, ofegante, trémulo, e cai em mim: pareci o choné que deambula pelo pátio do centro a cravar cigarros; com faro e perícia de perdigueiro.

1 comentário:

ZMB disse...

Não vejo problema em ser-se choné. quanto a parecer será talvez uma questão de preconceito. eu não pareço e sou, pelo menos o diagnóstico é esse, visto que me identifico muito com a narração na primeira pessoa. ao me identificar ponho-me muitas vezes em confronto com essa ideia, e da minha boca sai uma ideia que dialoga num espelho imaginário com uma boca dizendo, nem sempre, uma contra-ideia.
Não achava que devia haver uma máquina que escrevesse momento a momento o nosso pensamento?
Uma máquina com um botão ON/OFF para termos uma pausa para um cigarro e tudo o mais.
Os poucos cigarros que pedi desde a chonézação foram pedidos com alguma vergonha por não ter dinheiro e algum brilho nos olhos em noite de borga, nem sempre com dinheiro no bolso.
Agora estou melhor visto que trabalho e dinheiro para onças e papéis Conquistador não faltam nunca.
Fumar é para mim um prazer.
O maravilhoso de se ser choné é que muitas vezes não precisamos de mais ninguém para se fazer a festa.
O problema é lidar com o excesso de informação - daí a importância do botão ON/OFF.