
Também eu veria o espantoso documento, que, passado algum tempo, acabei por deitar ao mar. Lá estava o capitão, sentado, as mãos repousando nos joelhos, calvo, com as costas curvadas, o cabelo grisalho e de pêlos hirsutos, lembrando um pouco um urso por domar; ao lado dele, dominando-o, de pé, uma horrível mulher branca, de idade madura, narinas ávidas, olhar cheio de uma fatalidade vulgar numas órbitas enormes. Um traje qualquer semi-oriental servia-lhe para se mascarar. Dava a impressão de uma espírita de segunda ou de uma cartomante de meia tigela. Apesar disso, era verdadeiramente impressionante. Uma feiticeira de bairros duvidosos. Era incompreensível. Havia qualquer coisa de horrível na ideia de ter sido ela a última cintilação da esfera das paixões para essa alma irada, que nos parecia contemplar através do rosto sarcástico e duro do velho lobo do mar. Mas ao mesmo tempo reparei que havia na fotografia um instrumento de cordas – uma viola ou um bandolim qualquer. Talvez fosse esse o motivo secreto do sortilégio.»
[Joseph Conrad, A Linha de Sombra; trad. Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira, colecção Mil Folhas, jornal Público, Abril 2003;
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