29 de abril de 2011

Nem sempre a lápis (156)

Há dias, a ajudar a Nico a varrer as folhas mortas que se acumulam no logradouro, encontrei três pranchas de casquinha com a patine de três anos encostadas à parede, necessárias para fazer o tampo de uma mesa decente. Tenho vindo a engendrá-la aos poucos, apoiada em dois cavaletes nivelados à altura anatómica de quem se senta num cadeirão de tabua para escrever ao Sol, sob o toldo de jasmim e cachos de glicínias e rubis de buganvílias e novelos de madressilva. Penso aparafusar o tampo com porcas de orelhas para conferir personalidade à estabilidade do conjunto; desmontável. Depois eu mostro, não sou invejoso. Trabalhar na mesa do atelier está tão fora de questão, como fazer de conta que trabalho aqui no sofá – no ninho da garça –, com o portátil à altura dos joelhos. Deitei-me para acabar A Tábua das Marés, a Nico continua a deambular pelos trilhos de Disse-me um adivinho, e levantei-me para ir buscar Entrevistas da Paris Review e ler a de Hemingway. Trabalhava de pé, escrevia numa prancha para ler apoiada numa estante – e a elaboração da mesa a interromper-me a leitura. Amanhã, meço a largura das três pranchas encostadas e vou a uma grande superfície de bricolage confirmar se bate certa com o apoio dos cavaletes, comprá-los e os parafusos cabeça de tremoço com porcas de orelhas. A seguir, tenciono carregar o puzzle e ir ao João marceneiro, situado num quintal de favas em frente do Paulinho das Bifanas, para casar as pranchas e abrir os furos. Não precisa colar; trato eu do resto, acompanhado pela curiosidade dos cães. Passei horas nisto, a afinar o projecto, a lamentar que as pernas do cavalete não venham bronzeadas, curtidas como o tampo da mesa e eu; a escrever ao Sol, em casa da Nico e de cabeça, na esplanada da rampa. Junto das três pranchas há duas mais pequenas com um dos cantos arredondados. Há pouco, identifiquei o providencial achado: foram as primeiras prateleiras para livros, ainda na cozinha do Monte Alto. Três anos depois, utilizo-as como mesa de trabalho, a rever as provas de Nem sempre a lápis, em casa da Nico.

4 comentários:

Fernando Dinis disse...

Fico feliz por saber que vem novo livro a caminho!
Abraço!

fallorca disse...

Serás avisado a tempo. abraço

Cristina Torrão disse...

Gostei muito de ler todo o texto. Mas é claro que tenho de dar destaque à "curiosidade dos cães". Eles são mesmo assim, gostam de participar em tudo, interessam-se por tudo, são uns queridos :)

fallorca disse...

Companheiros fiéis, mas também «interesseiros» :)