26 de abril de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (4)

«A minha aldeia chama-se Contulmo, e é mais pequena do que a vizinha Traiguén. Antes de ir para a capital, para tirar o curso de professor, terminei a secundária em Angol. Uma terra um pouco maior do que Traiguén. Ali padeci de um grave estado de anemia que os médicos trataram receitando-me emulsão Scott de óleo de bacalhau ou injectando nas minhas veias tonificantes de fígado.
Uma enfermeira iniciou-me, no hospital, no vício dos cigarros baratos e para financiar essa arte, que desembocou numa bronquite, tive de arranjar outro trabalho.
Trata-se de algo extremamente ocasional e modesto. Uma vez por semana, mando pelo camionista que vem buscar os lençóis que a minha mãe lava para o hotel Angol, os poemas traduzidos do francês que o director do jornal publica no suplemento dominical.
O meu papá é francês e regressou a Paris há um ano, quando terminei os meus estudos no Ensino Secundário e voltei para Contulmo.
Eu desci do comboio e ele subiu.
Beijou-me desesperadamente nas faces e a minha mãe veio até ao cais de embarque vestida de luto. A minha chegada a casa jamais substituiu a ausência do meu pai. Cantava J’attendrais, Les feuilles mortes e C’est si bon.
Além disso, sabia fazer um pão estaladiço, a baguette, diferente dos papo-secos e pádoas desta zona. Também costumava levar laranjas e limões ao mercado. Passava todos os dias pelo moinho para ir buscar farinha e assim começou a amizade com o dono. Quando o papá se foi embora ou não soube reproduzir a sua arte para fabricar baguettes, mas mantive a amizade com o moleiro.
Ele conhece melhor o papá do que eu mesmo.
Conhece melhor o papá do que a minha própria mãe.»
[Antonio Skármeta, Un padre lejano (Versão final Outubro 2009); em tradução para a Teorema]

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