15 de abril de 2010

Nem sempre a lápis (1)

À medida que me liberto da presença parasita de inéditos, ocorre-me a ideia – e porque não? – de me entregar à escrita de um livro póstumo, concebido como este diário começado há um ano a que chamo O Cheiro dos Livros. Segundo o patusco Walser «Quando se vai a caminho dos sessenta, devemos saber pensar noutra forma de vida.» A quem ele o diz, acabo de calcorrear esse caminho; de momento, sem carro. Deixo o livro com a capa pronta, tenho vindo a rever e a eliminar parte do que fui anotando nos últimos catorze meses. Talvez motivado pela apatia que acometeu o blogue da frenesi, umas noites atrás deu-me para seguir os passos, até onde me foi possível, para criar um. Tem permanecido aqui como um lote pré-comprado, um investimento para o começo da velhice, embora desconfie que, se e quando o vier a urbanizar, o espaço da blogosfera já se encontre ainda mais que ultrapassado, como me convém. Partilha o título do livro póstumo, naturalmente, mas não a cronologia nem a validade dos textos que o compõem, de que serão réplicas apenas; sem comentários.
Fevereiro acabou, terminei a tradução de A Cidade Ausente (Teorema), comprado em Huelva vai fazer quatro anos, edição ainda da Anagrama, como O Último Leitor e La invasión; vivia perto e já andava a escrever até Jajouka. Venha outro Março e que a hora mude depressa para me libertar. É curioso como o mês mais raquítico do ano pode ser tão sacaninha.
«O narrador deve estar sempre presente.» (Ricardo Piglia)
[Na foto: Ricardo Piglia, durante a apresentação ilustrada do seu romance A Cidade Ausente, adaptada pelo escritor Pablo de Santís e ilustrado por Luis Scafati, em Barcelona, 25/11/2008]