4 de outubro de 2012

Nem sempre a lápis (323)

Fui a Lisboa com uma moca monumental, defendido com a instamatic para comprovar que tinha visto uma certa árvore no Jardim das Amoreiras.
Desci a rua com a memória mais viva e mais consciente da coabitação perfeita de dois tempos, lamentando, ao passar o Aqueduto, não reparar se ainda existem as placas com os números das linhas. O autocarro era o 15, o eléctrico creio que era o 24 e deixava-me no Largo da Misericórdia, à mercê dela; e que ela seja ampla mas pouco larga, de preferência. Lembrei-me da Mãe-d’Água, a rua ao cimo da Praça da Alegria, onde fui desmamado pelo & etc., e do claustro onde a água é venerada, quando entrei no jardim seguindo as pisadas que me fizeram passar pela árvore de costas.
Vi duas pitas a dar ao telelé e assustei-me, quando o cachorro saltou para dentro da vedação do canteiro e ficou pendurado pela trela, até elas darem pela interferência na linha; safadas das miúdas, com as hormonas reféns das operadoras.
Aproximei-me da árvore, a tentar reconhecê-la pelas costas que não fixei, contornando-a de instamatic em riste para perder a mania de duvidar de mim e do que vejo e imagino. Baixei-a. Em sentido contrário, com um tom de voz de quem cria e amamenta problemas, aproximavam-se umas três ou quatro gajas tão feias, tão feias, que se visse coisa mais feia do que elas atirava-lhe com uma pedra; só podia ser bicho. Conseguiam ser mais feias e mais estranhas do que as que metem medo ao susto. Uma, parecia que tinha o queixo torto e era zarolha, ou tinha olho de robalo; dourada não era. Depois tive pena de não as ter apanhado; exemplares fugidos do Museu de Antropologia. Qual não é o meu espanto, enquanto esperava que desatravancassem a objectiva, ouvi isto e até tive pena de já não andar com o Sanyo cassette tape recorder M 1001: «Ele não gosta de fotografar mulheres, gosta mais de tirar fotografias às árvores.» Acho que disse, rebaixei-me como se falássemos de igual para igual: «Há árvores que merecem muito mais uma fotografia do que muntas mulheres». Com muntas e tudo. Tirei a fotografia e pus-me a andar a olhar em frente, à rasca com a possibilidade de se travar diálogo; às vezes, começa-se assim.
Puta que as pariu, conhecemo-nos lá de algum lado? Se fossem normais, faziam de conta que não era nada com elas, «Nem sou de cá…»; ou sorriam e avançavam o passo. «Eu espero. Não tenham pressa», retribuía-lhes eu.

1 comentário:

Anónimo disse...

Aquela árvore sofreu (!) uma intervenção urbana por um aluno do Cabrita Reis, mas influenciado pelo Richard Long :-)