10 de outubro de 2012

Papiro do dia (267)

«Júlia e Ludéria agradeceram o dia em que puseram os pés na Loja Maçónica. Desde então a vida era outra. Ludéria não conhecia patrão que fosse amigo, falasse as mesmas coisas, gostasse da mesma comida. Júlia estava inebriada, mostrava os dentes o dia inteiro. Messias tinha muito gosto das duas no balcão. Missa e balcão a vida delas. A freguesia se tornava fiel, Júlia dava ideias para os vestidos, Ludéria para as bainhas italianas nas calças de linho, pences nas saias longas. Júlia não gostava de botão, nem da palavra, quanto menos pegá-los nas mãos.
Ludéria sabia costura, mas não tinha mão. Ensinou à Júlia consertos, depois copiar roupa de olhadela. Com o ordenado, pegava mais barato os tecidos que menos saíam. Ludéria tinha uma revista de atrizes de cinema, um só exemplar, pegou no lixo de Leila. Atrizes de olho esmeralda, cintura fina, cetim preto. Júlia copiou um vestido de gala com algodão vagabundo. Ela mesma usava no balcão. No começo, acharam que era devota demais usando vestido comprido em dia quente. Ela respondia que com algodão não tinha problema e era agradável ter o corpo coberto, sem encheção de homem olhando. Começaram as encomendas, as colegas da igreja gostaram do recato, apesar da cintura marcada. Júlia fazia modelos para missas. Missas das seis, missa das nove, missa das dez, missa de quarta, missa de domingo. Para cada hora, um tom, um viés. Messias se empolgou e aumentou o comércio de forma a deixar o armarinho independente do armazém.»
[Andréa del Fuego, Os Malaquias; Porto Editora, 2012;
missal]

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