«Durante toda a semana ouvira as pessoas dizerem que ia haver uma tempestade. Fui para a praia, quando da sua primeira fúria, para vê-la fustigar a água.
Agora a chuva está a cair sem parar, e as ruas, que estavam vazias no início da tempestade, estão de novo a encher-se de pessoas, e volta a haver um forte cheiro a peixe no ar. Estendi as roupas a secar nuns pregos nas vigas e colunas do meu quarto, de modo que é uma floresta de roupas húmidas balançando sob rajadas de vento que sopram da porta e das janelas.
O ensaio está agora a tomar forma. Tal como passa aqui, o tempo está a passar nas viagens do historiador francês. Descubro e descrevo o seu percurso por esta região, ele avança, eu progrido no ensaio, e os dias passam. Estou a começar a sentir que ele é mais meu companheiro, nesta sala, do que as pessoas vivas desta terra. Esta manhã, por exemplo, como, na minha imaginação, eu andara a viajar com ele desde madrugada, senti que não estava aqui nesta cidade à beira-mar, mas num húmido vale do rio, a assistir aos fogos-de-artifício. Para ele, era noite.»
[Lydia Davis, Contos Completos; trad. Miguel Serras Pereira e Manuel Resende, Relógio d’Água, Julho 2012;
Godard na praia]
Godard na praia]
Sem comentários:
Enviar um comentário