«“Nunca se satisfará”, escreveu um biógrafo. “Tocadas pelo seu olhar cansado, as flores murcham, as estrelas empalidecem.” Sim, há uma ponta de verdade nisto. Posso dizê-lo, porque sofro da mesma doença. Mas, se se sonhou um império, o império do homem, e se se tem a coragem de reflectir sobre a velocidade de caracol com que os homens avançam para a realização desse sonho, é bem possível que aquilo a que se chama as actividades do homem empalideçam até à insignificância. Não acredito, nem por um minuto, que as flores murchassem ou que as estrelas se ofuscassem aos olhos de Rimbaud. Pelo contrário, acredito que o íntimo do seu ser sempre manteve com elas uma comunicação directa e fervorosa. Era no mundo dos homens que o seu olhar cansado via coisas murchas e pálidas. Começou por querer “ver tudo, sentir tudo, exaurir tudo, explorar tudo, dizer tudo.” Não tardou muito que sentisse o freio na boca, as esporas nos flancos, o chicote nas costas. Basta que um homem se vista de maneira diferente do seu semelhante para que se torne objecto de troça e de ridículo. A única lei que é vivida com sinceridade e denodo é a lei da conformidade. Não espanta que, ainda rapaz, Rimbaud acabasse por “achar que a desordem do seu espírito era sagrada”. Por esta altura, tinha-se tornado, de facto, num vidente. Verificava, contudo, que era olhado como um palhaço, um charlatão. A escolha que se lhe oferecia era entre lutar até ao fim da vida pelo chão que tinha conquistado ou renunciar completamente à luta. E porque razão não encontrou um compromisso? Porque a palavra compromisso não fazia parte do vocabulário de Rimbaud. Desde a infância que era um fanático, o tipo de pessoa que ou chega ao fim ou morre. É aqui que reside a sua pureza, a sua inocência.»
[Henry Miller, O Tempo dos Assassinos; trad. Manuela R. Miranda, Hiena Editora, Outubro 1985;
com ou sem açúcar?]
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