4 de setembro de 2013

Papiro do dia (430)

«“Nunca se satisfará”, escreveu um biógrafo. “Tocadas pelo seu olhar cansado, as flores murcham, as estrelas empalidecem.” Sim, há uma ponta de verdade nisto. Posso dizê-lo, porque sofro da mesma doença. Mas, se se sonhou um império, o império do homem, e se se tem a coragem de reflectir sobre a velocidade de caracol com que os homens avançam para a realização desse sonho, é bem possível que aquilo a que se chama as actividades do homem empalideçam até à insignificância. Não acredito, nem por um minuto, que as flores murchassem ou que as estrelas se ofuscassem aos olhos de Rimbaud. Pelo contrário, acredito que o íntimo do seu ser sempre manteve com elas uma comunicação directa e fervorosa. Era no mundo dos homens que o seu olhar cansado via coisas murchas e pálidas. Começou por querer “ver tudo, sentir tudo, exaurir tudo, explorar tudo, dizer tudo.” Não tardou muito que sentisse o freio na boca, as esporas nos flancos, o chicote nas costas. Basta que um homem se vista de maneira diferente do seu semelhante para que se torne objecto de troça e de ridículo. A única lei que é vivida com sinceridade e denodo é a lei da conformidade. Não espanta que, ainda rapaz, Rimbaud acabasse por “achar que a desordem do seu espírito era sagrada”. Por esta altura, tinha-se tornado, de facto, num vidente. Verificava, contudo, que era olhado como um palhaço, um charlatão. A escolha que se lhe oferecia era entre lutar até ao fim da vida pelo chão que tinha conquistado ou renunciar completamente à luta. E porque razão não encontrou um compromisso? Porque a palavra compromisso não fazia parte do vocabulário de Rimbaud. Desde a infância que era um fanático, o tipo de pessoa que ou chega ao fim ou morre. É aqui que reside a sua pureza, a sua inocência.»
[Henry Miller, O Tempo dos Assassinos; trad. Manuela R. Miranda, Hiena Editora, Outubro 1985;
com ou sem açúcar?]
 

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