«Ninguém desejou mais ardentemente a liberdade e a independência que estes dois espíritos aprisionados. Ambos parecem ter escolhido deliberadamente o caminho mais difícil. Ambos receberam a taça da amargura cheia, transbordante. Em ambos habitava uma ferida insarável. Oito anos antes de morrer, numa carta, Van Gogh revela as consequências que para si tivera o seu segundo grande desapontamento amoroso. “Uma simples palavra fez-me perceber que nada se modificou em mim no que a isto respeita, que é e continuará a ser uma ferida; que a trago comigo, tão funda que nunca sarará; ao fim de vários anos há-de continuar a ser exactamente o que era no primeiro dia”. Também a Rimbaud aconteceu qualquer coisa de parecido. Conquanto quase nada se saiba desse caso infeliz, é difícil não acreditar que o efeito tenha sido igualmente devastador.
Quando se pensa que estes homens, cuja obra tem sido uma inesgotável fonte de inspiração para sucessivas gerações, foram forçados a viver como escravos, que tiveram dificuldades em assegurar uma subsistência pouco melhor que a de qualquer emigrante pobre, que juízo havemos nós de fazer sobre a sociedade que os produziu? Em poucos anos tinham devorado e, o que mais é, digerido, toda a herança de vários milhares de anos. Foram confrontados com a fome no meio duma outra abundância. Era mais que tempo de entregar a alma. A Europa preparava-se já activamente para destruir o molde; o molde que tinha crescido suficientemente para lhe poder já servir de caixão.»
[Henry Miller, O Tempo dos Assassinos; trad. Manuela R. Miranda, Hiena Editora, Outubro 1985;
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