1 de dezembro de 2011

Papiro do dia (155)

«Durante os últimos anos tem brincado com a ideia de executar um trabalho sobre Byron. A princípio, pensara que se trataria de mais um livro, um opus crítico. Mas todas as tentativas se tinham transformado em tédio. A verdade é que está cansado da crítica, cansado da prosa medida a palmo. O que quer é escrever música: Byron em Itália, uma meditação acerca do amor entre sexos na forma de uma ópera de câmara.
Durante as aulas de Comunicação, passam-lhe pela mente frases, temas, fragmentos de canções da obra não escrita. Nunca foi um grande professor; nesta instituição de ensino transformada e na sua mente castrada, está mais deslocado do que nunca. Porém, também outros dos seus colegas de antigamente o estão, sobrecarregados com ensinamentos inadequados às tarefas que estão preparados para executar, meros funcionários numa era pós-religiosa.
Uma vez que não respeita a matéria que ensina, não tem qualquer impacto nos seus alunos. É como se não o vissem quando fala, esquecem até o seu nome. A indiferença deles fere-o mais do que é capaz de admitir. Não obstante, cumpre inteiramente as suas obrigações para com eles, para com os pais deles e para com o estado. Mês após mês prepara, recolhe, lê e anota os seus trabalhos corrigindo erros de pontuação, ortografia e gramática, questionando argumentos e anexando uma pequena crítica devidamente pensada.
Continua a ensinar, porque o ensino lhe proporciona uma forma de vida; também porque o ensina a ser humilde, porque o faz compreender quem ele é neste mundo. Compreende a ironia: aquele que vem ensinar aprende a mais interessante das lições, ao passo que aqueles que vêm para aprender não aprendem nada. Trata-se de uma característica da sua profissão que não transmite a Soraya. Duvida que ela tenha na vida uma ironia que se lhe compare.»
[J. M. Coetzee, Desgraça; trad. José Remelhe, BIIS, Setembro 2010]

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