«A velha está prestes a ir-se embora, mas volta-se outra vez para Rassul para avisá-lo de uma coisa: a partir de agora, será ela, e só ela, que indicará a Sufia a hora em que está autorizada a ir-se embora. Ele aquiesce com a cabeça.
Depois manda-o ficar no corredor e dirige-se para a escada. Quando chega ao andar de cima, Rassul começa a andar, com pezinhos de lã, ansioso e perturbado. O machado que esconde debaixo do seu patu pesa cada vez mais; tem os braços moles, as pernas hirtas. Custa-lhe subir os degraus, chegar ao corredor do andar onde volta a ver nana Alia frente a uma pequena porta que ela abre. Depois de hesitar um pouco, entra e fecha a porta atrás de si. Rassul avança pesadamente até à porta. Nela cola o ouvido e escuta as portas das prateleiras abrirem-se e fecharem-se. Respira fundo. Depois, subitamente, arromba a porta com um pontapé e corre para nana Alia, ocupada a contar um maço de notas frente à janela. Mal Rassul ergueu o machado para o abater na cabeça da velha, a história de Crime e Castigo passa-lhe pela cabeça. Fulmina-o. Os seus braços estremecem, as suas pernas vacilam. E o machado escapa-se-lhe das mãos. Racha o crânio da mulher, penetra-o. Sem soltar um grito, a velha cai no tapete vermelho e negro. O seu véu, decorado com motivos de flores de macieira, flutua no ar antes de cair em cima do seu corpo flácido e rechonchudo. É agitada por espasmos. Mais um sopro, talvez dois. Os seus olhos arregalados fixam Rassul, de pé no meio da sala, respiração cortada, mais lívido que um cadáver. Ele treme, o seu patu cai-lhe dos ombros salientes. O seu olhar assustado absorve-se no jorro de sangue que, brotando do crânio da velha, se confunde com o vermelho do tapete, cobrindo os seus traçados negros, escorrendo depois, lentamente, para a mão carnuda dela, que segura um maço de notas. O dinheiro ficará manchado de sangue.
Mexe-te, Rassul, mexe-te!»
[Atiq Rahimi, Maldito Seja Dostoiévski; trad. Carlos Correia Monteiro de Oliveira, Teodolito, Setembro 2011;
mexe-te!]
mexe-te!]
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