ele tentou surripiar um quadro sem o mínimo valor,
com um choupo encalhado junto a uma poça seca, no deserto.
Apanharam-no com o quadro no parque de estacionamento,
quando o metia sobre o estrado da camioneta.
Quando lhe perguntaram porquê, ele disse-lhes que não tinha bem a certeza.
Disse-lhes que, ao ver a gravura, não lhe pôde resistir.
Disse-lhes que se viu a si mesmo dentro da gravura, deitado
de costas debaixo do choupo.
Disse que reconhecia a árvore de um velho sonho e
que o sonho se baseava numa árvore verdadeira da
sua infância, há muito tempo, de que tinha uma remota recordação.
Lembrava-se de estar deitado debaixo dessa árvore
e de olhar para cima através das folhas de prata.
Lembrava-se de vozes que vinham do meio dessas folhas, mas não conseguia
lembrar-se do que essas vozes diziam ou a quem pertenciam.
Explicou-lhes ainda que esperava que aquela gravura
fizesse regressar à memória tudo o que estava adormecido.
25/7/81
Hollywood, Ca.»
[Sam Shepard, Crónicas Americanas; trad. José Vieira de Lima, Difel, Janeiro 2002 (4.ª ed.)]
1 comentário:
É livro que releio volta e meia
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