25 de novembro de 2013

Nem sempre a lápis (457)

Memória descritiva
Jogo
 
Aspirei atmosferas de fumo, ingeri consideráveis gramas de lisérgicos, e naufraguei em oceanos de álcool.
Durante anos, fiz questão de nunca comer em jejum.
E essa tão aplaudida atitude, fez-me perder o apetite.
Comecei a passar-me na tropa, celebrando a peluda e, imediatamente, o 25 de Abril, com LSD e tudo o mais prescrito pelas vanguardas escancaradas.
Onde insistia em incorporar-me.
Pouco depois, no imenso balcão da Rádio Comercial, aderi à tasca.
Acompanhando as suas vozes mais invejadas e carismáticas.
Tive mestres entre a fina-flor radialista, e os mais solicitados marginais deste beco intelectual.
Um dia, apercebi-me de que só bebia porque queria.
E apercebi-me também, que não queria deixar de querer.
Confrontado com este dilema, habituei-me ao show off do internamento, na expectativa das saídas para me empitrolar.
Andei nisto, meses.
Ao terceiro internamento, cansei-me do ritual e decidi nunca mais beber.
Como antes decidira não me janar mais.
Ou talvez o álcool transportado pela euforia da Comercial se tivesse sobreposto à actualidade da passa e dos ácidos.
Andei mais de um ano assustado com autênticos buracos negros na memória, enfeitados pela mania da perseguição.
Sobressaltava-me a ideia de ser acusado por ter feito qualquer coisa - péssima, claro - de que não tinha a menor ideia.
Com o tempo, esqueci-me.
Como me tenho esquecido de tantas outras coisas.
Só me recordo, quando algum drogado ou algum alcoólico, me chama careta.

7 comentários:

Cristina Torrão disse...

Muito interessante...

Cristina Torrão disse...

Ainda a propósito das visitas lá pelas minhas andanças: também gosto de vir aqui, há sempre algo que me surpreende, ou me diverte, embora me seja difícil, por vezes, alcançar o sentido das tuas piadas ;) Mas põem-me sempre a pensar.

Neste texto, admiro a tua coragem e a graça com que descreves as situações. E sempre me fascinou essa coisa dos "buracos negros", não se lembrar do que se fez... Não tenho experiência pessoal (sou muito cagarolas ;), mas houve uma altura da minha vida em que assisti de perto a muitos excessos (de todos os tipos, mas mais de drogas). Sei a teoria, falta-me a prática. Mas agora também já estou em idade de ser "careta" ;)

fallorca disse...

Sua "carantonha" :)

Cristina Torrão disse...

A caminhar para a "cota" ;)

F disse...

Eheh.
Como eu aprecio é este teu sentido de humor!

fallorca disse...

Mesmo com um pulmão entregue às atenções da QT ;)

F disse...

Pois! Olha, mais vale encarar a coisa bem de frente. O sentido de humor, para quem o vai tendo, ainda pode ser uma ajuda! Digo eu!
Beijos e força!