«Voltou a lembrar-se do nome do médico, como tende a suceder quando deixa de ser preciso. As casas por que passa são, na sua maioria, do século XIX. Algumas de madeira, outras de tijolo. As de tijolo têm amiúde dois andares, as de madeira são algo mais modestas, de um só piso com aproveitamento de sótão e tectos inclinados nas divisões de cima. Algumas das portas de entrada abrem quase directamente para o passeio. Outras dão para alpendres, alguns dos quais envidraçados. Há um século, num fim de tarde como este, as pessoas estariam sentadas nos alpendres, ou talvez nos da entrada. Donas de casa que tinham acabado de lavar a louça e de dar uma última varridela do dia à cozinha, maridos que tinham acabado de enrolar a mangueira depois de regarem o relvado. Não havia, como hoje, mobiliário de jardim sem ocupantes, só para exibição. Havia apenas os degraus de madeira ou cadeiras trazidas da cozinha. Conversas sobre o tempo ou sobre um cavalo fugido ou sobre algum vinho que adoecera sem que houvesse expectativas de que recuperasse. Especulações a seu respeito, assim que ela deixasse de poder ouvi-los.
Mas não os teria ela tranquilizado ao parar e perguntar, Por favor, podem dizer-me onde fica a casa do médico?
Novo tema de conversa. Para que é que ela quer um médico?
(Isto depois de ela se ter afastado.)»
[Alice Munro, Amada vida; trad. José Miguel Silva, Relógio d’Água, Maio 2013]
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