«Deus morreu e já não está lá a ver-nos. Por isso temos nós de nos ver. E Nadar deu-nos a distância, a altitude para o fazermos. Deu-nos a distância de Deus, a visão do olhar de Deus. E onde chegou (até agora) foi ao Nascer da Terra e àquelas fotografias tiradas da órbita lunar, nas quais o nosso planeta parece praticamente igual a outro planeta qualquer (exceto para um astrónomo): silencioso, rotativo, lindo, morto, irrelevante. Que pode ter sido como Deus nos viu e a razão pela qual se ausentou. É claro que não acredito no Deus Ausente, mas uma história assim é um belo paradigma.
Quando matámos (ou exilámos) Deus, matámo-nos também. Demos realmente por isso, na altura? Nem Deus, nem vida depois da morte, nem nós. Fizemos bem em matá-lo, é claro, ao nosso amigo imaginário de longa data. Também não íamos ter vida nenhuma depois da morte. Mas serrámos o ramo onde estávamos sentados. E a vista de lá, daquela altura – ainda que fosse uma vista ilusória – não era assim tão má.»
[Julian Barnes, Os níveis da vida; trad. Helena Cardoso, Quetzal, Novembro 2013]
[Julian Barnes, Os níveis da vida; trad. Helena Cardoso, Quetzal, Novembro 2013]
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