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Tal como são, dão-me, porém, o que nesse tempo, já remoto, se chamava um estado de alma. Parece que ele, em noites de desespero, fazia literatura da sua dor, para se esquecer. São frases bruscas às vezes, páginas entrecortadas e monólogos espremidos do fel. E de súbito, num acesso, julga-se ouvir uma boca dizer-nos, na noite e ao ouvido, segredos que nos transem.
Todo este Diário é áspero, com frases inacabadas, monólogo de quem vai numa subida a pique, mas, como é vivido e sofrido, amo-o e enternece-me, como se o próprio K. Maurício, numa longa conversa, me mostrasse a sua alma de grotesco, incompleta, mas tão dorida e tímida, que me enche de piedade. A cada ilusão morta, como a sua sensibilidade estremece e como ele chora! Que estranho pessimista este, tão ingénuo! Decerto que nem sempre foi sincero, mas no Diário raramente pensou que teria leitores, assim como em todas as páginas que a seguir transcrevo, e em muitos pedaços atirados para o papel numa sofreguidão de se contar...»
[Raul Brandão, A morte do palhaço e O mistério da árvore; Biblioteca de Bolso, Junho 2003;
exageros]
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