«Chegou entretanto a época das chuvas e como sempre a cidade ficou partida ao meio, foi bênção de um lado e maldição do outro: a chuva lavava os prédios e as ruas, regava os jardins e fazia nascer flores na cidade dos brancos, e abria feridas profundas na cidade nos negros, convertida em pântano. As areias tinham-se tornado em lama, as fossas transbordavam de dejectos, água suja invadia as casas, água putrefacta, juncada de detritos.
Entre a cidade de cimento e o aeroporto o pântano invadia tudo e era tudo – sujidade, moscas, montes de lixo, esgotos, cheiros pútridos, parasitas, mosquitos que se espalhariam mais e mais quando o vento estivesse de feição.
Causam doenças que matam, diz Laureano. Ou duram toda a vida. Porque se fica marcado para sempre. (Amélia e o seu medo do pântano, ocorre-me. Teria portanto razão?)
O governo (algo de grave e negativo se segue, sempre que ele começa uma frase deste modo) não só permite a construção nesta zona como ele próprio mandou construir habitações aqui. É tudo o que tem para oferecer aos negros.»
[Teolinda Gersão, A árvore das palavras; Sextante, 6.ª ed., Maio 2008]
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