«Às vezes queremos continuar a amar a dor. E depois, para além disto, aparece outra questão bem delineada sobre a nuvem: o sucesso na dor, no luto, na mágoa é uma realização ou uma simples e dada condição que agora é nova? Porque aqui a noção de livre-arbítrio parece irrelevante; a atribuição de virtude e finalidade – a ideia de recompensa pelo luto – parece deslocada. Pode ser que desta vez a analogia com a doença seja válida. Estudos de doentes com cancro mostram que a atitude de espírito tem muito pouco efeito no resultado clínico. Podemos dizer que estamos a combater o cancro, mas é o cancro que simplesmente nos combate; podemos pensar que o derrotámos, e ele retirou-se para se reorganizar. É só o universo a fazer o seu trabalho e nós somos o trabalho de que ele é feito. E talvez seja igual com a dor. Imaginamos que lutámos contra ela, que fomos resolutos, que superámos a mágoa, raspámos a ferrugem da nossa alma, mas o que aconteceu foi que a dor se mudou para outro lado, ganhou novo interesse.»
[Julian Barnes, Os níveis da vida; trad. Helena Cardoso, Quetzal, Novembro 2013]
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