«A Riba não lhe escapa que é característico da imaginação encontrar-se sempre no final de uma época. Desde que possui uso da razão, que ouve dizer que nos encontramos num período de máxima crise, numa catastrófica transição para uma nova cultura. Mas o apocalíptico tem estado sempre presente, em todas as épocas. Encontramo-lo, para não irmos mais longe, na Bíblia, na Eneida. Está presente em todas as civilizações. Riba entende que, no nosso tempo, o apocalíptico só pode ser considerado como uma grande paródia. Se vierem a celebrar esse funeral em Dublin, este não poderia ser outra coisa além de uma grande paródia do pranto de algumas almas sensíveis pelo fim de uma era. O apocalíptico exige não ser tratado com excessiva seriedade. No fim de contas, desde criança que se cansou de ouvir que a nossa situação histórica e cultural é inusitadamente terrível e, de certo modo, privilegiada, um ponto cardinal no tempo. Mas, é na realidade assim? Parece duvidoso que a nossa «terrível» situação seja muito diferente da dos nossos antepassados, pois muitos eles sentiam o mesmo que nós e, como muito bem disse Vok, se os nossos elementos de avaliação nos parecem satisfatório, com eles passava-se o mesmo. Qualquer crise é só, no fundo, a projecção da nossa angústia existencial. Talvez o nosso único privilégio seja, simplesmente, estar vivos e saber que vamos morrer todos juntos ou em separado. Enfim, pensa Riba, o apocalíptico tem um verniz novelesco esplêndido, mas não deve ser levado muito a sério, porque na realidade, se o olhar bem, o que me oferece é a alegre, contundente e feliz paródia de um funeral em Dublin, quer dizer, oferece-me aquilo de que mais necessitado ando, nos últimos tempos: ter algo para fazer no futuro.»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema;
foto: Nico]
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