17 de julho de 2010

Nem sempre a lápis (57)

Desde que vim de Asilah, e já lá vai um mês, pouco ou nada tenho praticado o meu desporto favorito, descer o Jardim das Amoreiras até ao Chiado ou ficar pelo do Príncipe Real; bloco à mão e garrafa de água, tranquilamente à espera de John Berger (Aqui nos vemos). Conto fazê-lo este próximo sábado; passar pela Anchieta e sentar-me n’A Brasileira, almoçar pelo Tagarro ou para os lados da Bica. É possível que me dêem umas saudades doidas de estar sozinho, dando por encerrado o exercício físico e mental ou acabe por fazer um breve interregno e jantar em casa para ir até à Ler Devagar; assistir a mais umas lições. Tudo isto, após o lançamento d’O Taberneiro, de Miguel Martins, n’A Barraca, pela mão de Rui Caeiro; esse mesmo, o tradutor de Nós Dois Ainda (Henri Michaux) que reviu para a Bonecos Rebeldes a edição feita para o & etc., há um colhão de anos. Se o Changuito estiver para me aturar – já estou a dar como adquirido que vai lá montar banca –, aproveito e peço-lhe que me traga os dois livros escandalosamente reservados, há mais de um mês. Veremos. Voltando à deambulação pelo Bairro e arredores, leve-me o apelo da hora do lobo por onde me levar, gosto de desandar o velho caminho da Rua da Rosa; se deixei o carro por ali perto e bom caminho. A partir da inesquecível Travessa dos Inglesinhos – neste caso seríamos os jornalistas do Record; é verdade, quase uma década a snifar octanas – lembro-me sempre do Ernesto Sampaio, quando nos cruzávamos no Diário de Lisboa, vindo eu, vindo eu, fresquinho de fancaria cultural do Frágil. Dizia-me o Ernesto, com aquele seu ar fleumático a arrumar a máquina de escrever portátil, encostada ao alto do lado de dentro da secretária: «Vais ver logo, quando saíres de dia; é só gente triste, toda encolhida, acabada de se pentear.»

Era de meter medo; donas de casa de bata com alcofas vindas do mercado da Ribeira, barbeiros com ar sinistro, caixeiros-viajantes e distribuidores de tudo e mais alguma coisa, mergulhados numa luz crepuscular, às sete e tal, oito da manhã; se li alguma vez Poe, não me lembro. Só se salvavam as padarias; o galão com pão quente partilhado com as conversas das putas, regressadas do último turno para irem buscar o menino à ama.

1 comentário:

Cristina Gomes da Silva disse...

Memórias bem (d)escritas. Também não é de admirar :-)