23 de julho de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (25)

«Não só não o tomou em conta, como tão-pouco, salvas todas as diferenças, Yeats guardou rancor ao jovenzito Joyce, quando se conheceram na sala para fumadores de um restaurante de O’Connell Street, em Dublin, e o futuro autor de Ulysses, que acabava de fazer vinte anos, leu ao poeta com trinta e sete um conjunto de excêntricas e breves descrições e meditações em prosa, belas mas imaturas. Tinha abandonado a forma métrica, disse-lhe o jovem Joyce, com o objectivo de obter uma forma tão fluida que pudesse responder às oscilações do espírito.
Yeats elogiou-lhe o esforço, mas o jovem Joyce, arrogante, disse-lhe: "Realmente, não me importa nada se gosta ou não do que faço. De facto, nem sei porque estou a ler isto ao senhor." E a seguir, deixando o seu livro na mesa, começou a enumerar as suas objecções a tudo o que Yeats tinha feito. Porque é que se tinha metido na política e, sobretudo, porque é que tinha escrito acerca de ideias e porque é que tinha condescendido a fazer generalizações? Todas estas coisas, disse-lhe, eram sinais de um arrefecimento do ferro, do desvanecimento da inspiração. Yeats ficou perplexo, mas logo se reanimou a si mesmo. Pensou: "É da Royal University, e crê que foi tudo resolvido por Tomás de Aquino, não devo preocupar-me. Já me encontrei com muitos como ele. Provavelmente, faria bem a resenha do meu livro se o enviasse a um jornal."
Mas a auto-reanimação fraquejou quando, ao cabo de um minuto, o jovem Joyce falou mal de Wilde, que era amigo de Yeats. E pouco depois – esta última parte desmentida pelo próprio Joyce, que a considerava como um "mexerico de café" e dizia que, em qualquer caso, as suas palavras de despedida nunca tiveram esse ar de desprezo que se depreende do episódio – pôs-se de pé e, enquanto se retirava, disse: "Tenho vinte anos, que idade tem o senhor?" Yeats respondeu-lhe tirando um ano. Com um suspiro, Joyce acrescentou: "Era o que eu calculava. Conheci-o demasiado tarde. O senhor é demasiado velho."»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema;
ilustração: One Hundred Live and Die, Bruce Nauman]

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