Não sei quantas vezes o terei lido, mas há mais de dois anos que não o fazia e haverá uns quatro que o tenho; arrematado num pack de não sei quantos títulos, onde faltava Suicídios Exemplares, mas esperavam-me os irrecusáveis conhecimentos de História Abreviada da Literatura Portátil. O título anterior e o meu primeiro Vila-Matas, de bolso, encontrei-o no expositor de uma área de serviço, entre Bolullos del Condado e Sevilha; nunca cheguei a lê-lo, foi alma levada pelo sumiço dos suicidas. Antes de me deitar, apanhei – sem hesitações, na movimentada confusão da estante –, essa preciosidade que é Bartleby & Companhia em igual tradução de José Agostinho Baptista. Esta noite, dei folga a Ulisses; por vezes, prefiro copiá-lo contado, lido pelo autor de Dublinesca. Percorrida mais de metade da tradução, encontro-me na fase (perigosa) de delirar e cultivar este tipo caseiro de equívocos. Bem vistas as coisas, também não tenho mais nada para fazer; «Preferia não o fazer», mas lá terá de ser para o blogue. Memorizei logo o arranque da primeira linha até à determinação de Bartleby, «escondido atrás do biombo quando já tinham desmantelado o escritório de Wall Street, onde vivia: "Preferia não o fazer"». Cheguei ao final da primeira nota de pé de página, «sem texto», deste diário bartlebiano – o autor também lhe chama rastreio –, cheguei à página vinte com o livro cheio pacotes de açúcar (vazios), bilhetes, tiras de livros de mortalhas – a ira da minha empregada: «Também não são precisos tantos!», sabe lá ela –, destinados a marcar material para o blogue e a converter-me num copista formado pelo Instituto Pierre Menard (Roberto Moretti). «Disponho-me, pois, a passear pelo labirinto do Não (…) uma tendência que interroga o que é a escrita e onde está, andando à volta da impossibilidade da mesma e dizendo a verdade sobre o estado de prognóstico grave – mas sumamente estimulante – da literatura deste fim de século. Só da pulsão negativa, só do labirinto do Não pode surgir a escrita por vir [sublinhado meu].» E os exemplos sucedem-se: «A literatura era precisamente – como acontecia com Kafka – a única coisa que eu tinha para me tornar independente do meu pai.»; mal eu sabia que, quando ele me ofereceu a máquina de escrever para nos despedirmos, já «Robert Walser sabia que escrever não se pode escrever, também é escrever».
31 de julho de 2010
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