14 de julho de 2010

À mão de ler (55)

«Dobro a roupa
em monte
os doze meses inteiros,
e tento juntar, incapaz,
duas peças com sentido.
As que ficam,
isoladas
sem uso provável,
escondo-as dentro de páginas brancas:
entre cada uma
papel vegetal quase transparente
e cantos antigos de colar fotografias.
Em dez anos encontro
um herbário inesperado:
folhas perenes e secas,
as meias cerzidas, únicas,
são exemplos raros destes dias
quase extintos.

Leste os poemas fora do prazo

muito menos sóbrio do que parecias

e pensaste que também os versos

podiam coser-se ao pescoço.

O mesmo cordel que te prendia,

a mão aberta sobre o volante,

afundou-te o pé inútil -

travavas um carro plano, desligado -

e puxou-te do estômago

uma vaga confissão,

eco surdo das horas antigas:

avulsas, longas, gratas, iguais.»

[Margarida Ferra, Curso Intensivo de Jardinagem, & etc., Maio 2010;

foto: de previsível autoria, embora preferisse uma da Autora a ler n'A Barraca, na noite em que foram servidas rodadas de poesia]

2 comentários:

{anita} disse...

gosto.

fallorca disse...

Quem não gosta? É uma preciosidade, de um cuidado...