«Era um tempo em que, na costa, e até onde se projectava a incidência dos portugueses, se expandia um estremecimento geral antes do mais na norma dos poderes locais. Um cão mastim, de raça europeia, chegava a valer três escravos e a jarda de pano importado trocava-se às vezes por três dentes de elefante com o peso de 120 libras cada um.
É vestindo pano importado desse tempo, que na estória de SRO se desloca um dos vultos que convergem um para o outro numa paisagem que se estabelece e estende sobre ondulações muito iguais, pelo continente adentro, daí para a frente. O traje do outro são peças tecidas que se chamam tanga, desse algodão fiado desde sempre nos interiores do leste e cruzado em teares como os do antigo Egipto, de trama apertada alguns e de espessura muito fina outros, desses só usam os chefes e famílias com poder. Veste disso e couro, à volta das canelas e da cintura, e traz consigo, a tiracolo, uma bolsa de fibra de cânhamo, liamba, e uma esteira de bordão enrolada e arrumada dentro de uma pequena canoa de fibra de palmeira que dá para equilibrar ao ombro porque é atravessada por um cabo comprido a que a mão desse lado agarra.
É de manhã, cedo ainda. Um tem o sol pela frente. Vem do lado da costa, portanto. Empurra a sombra, o outro. É porque vem do leste, do leste dos venenos, das longas audiências, das discussões sem fim, dos agravos novos saídos da cura de agravos antigos, das intrigas nas cortes, tão shakespearianas porque convocam tudo, medo, rancor, traição, inveja, cupidez e amor. As suas sombras vão-se misturar, baralhar destinos. Mas disso cada um não sabe ainda, ainda vêm metidos só consigo mesmos, a anhara é vasta, é muito o mundo, há gente junta num lugar e noutro mas o que há mais é direcções a sós. Depois dão conta que cada um lá vem.»
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