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Depois de assinar e anotar o número do seu bilhete de identidade no caderno que os despreocupados polícias lhe estenderam, para que assinasse a recepção do documento, rasgou o sobrescrito e ficou ao corrente do conteúdo.
Como se adivinhasse que a filha e Nico lhe iriam perguntar qual o assunto da missiva, antecipou-se-lhes e disse que era uma citação do ministro do Interior para comparecer amanhã, às dez, no edifício da sede do governo do general Pinochet.
Patricia Bettini não pôde evitar um sobressalto. O pai tinha estado duas vezes na cadeia e, uma vez, gorilas não identificados tinham-no raptado e agredido até o deixarem inconsciente.
O homem pediu à mulher, Magdalena, para se juntar a eles à mesa do chá e depois de mexer demoradamente a colher na chávena, confessou que hesitava entre apresentar-se no dia seguinte ao encontro com o ditador ou fazer agora mesmo uma mala com alguma roupa e esconder-se durante uns dias em casas de amigos.
Patricia recomendou-lhe que se escondesse.
A mulher recomendou-lhe que comparecesse ao encontro. Era melhor enfrentar as coisas do que passar a vida escondido.
Nico Santos pôs um bocado de goiaba na torrada e espalhou-a com a faca pela superfície. Era tal o silêncio que esse ínfimo movimento sobre o pão pareceu estridente.»
2 comentários:
Vou seguindo.
Segue :)
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