26 de julho de 2011

Papiro do dia (106)

«A fotografia de Hahn e certa paisagem pintada – e o que houver de equivalente na escrita –, remetem, sim, primeiro para uma condição de distanciamento e de irremediável solidão do observador e do operador perante tais deslumbramentos naturais e depois, ou em simultâneo, para os imperativos de um testemunho que sublinhe os benefícios das incidências do progresso – é o caso das fotografias das fomes e das populações socorridas pelo governo a construir barragens. E sabe-se que essa é uma via destinada a acentuar sempre o exótico, e a justificar a dominação. Mas não poderá também deixar de ser verdade que essa dimensão do exótico já não tem tudo a ver com o exótico que pressupõe o confronto, ou o não-confronto, do observador com um objecto estático. É o explorador europeu dos séculos anteriores que funda os horizontes do exótico, de um espaço alheio incontrolado e projectado a partir do seu navio ou da praia a que aporta com mercadorias que tem para expor, a coberto do poder de fogo que o garante. A situação colonial, ao longo do século vinte, coloca já o dominador, no entanto, perante um espaço sob o seu controle. Nem mesmo se confunde com o exótico para o viajante de hoje, turista ou jornalista, que não se preocupa nem em entender nem em agir, mas antes em captar diferenças de que elimina a história para as usar nas metrópoles donde provém segundo uma gramática de signos logo reconhecíveis, clichés mais ou menos convencionais e destinados a satisfazer ou assembleias domésticas ou um público mais interessado em confirmar o seu código do que em ver-se confrontado com qualquer outro.»

[Ruy Duarte de Carvalho, As Paisagens Propícias, Livros Cotovia, Março 2005;
Carl Hugo Hahn]

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