«O camião desapareceu num sítio chamado Plains. As ruas eram todas em tijolo. Automobilistas em passeio nos seus Mavericks. Havia um tráfego incompreensível enquanto andava à procura de um motel para dormir. Encontrou um que se auto-anunciava como “Um Toque de Veludo – Quartos de Luxo”. Achou que merecia um pouco de veludo. Sentir-se entre veludo era precisamente o que ansiava. Aquele veludo podia ser um refúgio depois da estrada.
Ficou com o quarto mais caro, sem se preocupar se tinha dinheiro suficiente. O quarto tinha um cheiro sintético insuportável. Provavelmente o cheiro dos tapetes limpos e desinfectados. As paredes eram um tufo de veludo vermelho. Os cobertores eram de veludo vermelho. As cadeiras eram de veludo vermelho. Tapetes de veludo vermelho. Lavatório vermelho. Cortinas vermelhas. Todos os vermelhos, o vermelho. Não havia um vermelho menos vermelho do que outro vermelho ou mais vermelho do que o vermelho a seguir. O quarto era uma vingança de veludo vermelho. Fez de conta que estava em casa.
Ligou a TV. Um pregador pregava em linguagem gestual. Reparou que o gesto para “Jesus” consistia em bater alternadamente nas palmas de cada mão com o dedo do meio, o que fazia pensar nos cravos espetados, na crucificação. Desligou o som e observou atentamente as mãos do pregador. Teve a sensação de que havia linguagem saltando pelo quarto. (“E nenhum dos seus ossos será partido.”)
Adormeceu no chuveiro, de pé. Sonhou com um homem que tinha conhecido em rapaz. Amarrado a um sicómoro. Queimado não se sabe porquê. A árvore ficou com uma incisão negra que acabou por fechar, mostrando no fim uma casca cor-de-rosa. Limpa como queixo de bebé. Quando acordou ainda via o homem. Pensou que lhe estava a cair chuva na cabeça. E o homem flutuava. E as cinzas do corpo do homem escorriam pelo seu rosto abaixo.
(“E nenhum dos seus ossos será partido.”)
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Plains, Texas»
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Plains, Texas»
[Sam Shepard, Crónicas Americanas; trad. José Vieira de Lima, Difel, Janeiro 2002 (4.ª ed.)]
2 comentários:
Obrigado Jorge por me teres "obrigado" a ir à prateleira da estante resgatar este livro.
Abraço
Luis Peixoto
Anda-se muito bem com ele.
Abraço
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