1 de agosto de 2013

Papiro do dia (422)

«O reino do meu pai era e é, todos os autores concordam, vasto. Para caminhar de uma fronteira à outra, de leste para oeste, o viajante deve contar com não menos de dezassete dias. Chama-se Ho, o termo confucionista para harmonia. O nosso primeiro monarca interessava-se pelo confucionismo (um estranho gosto nesta região do mundo) e, depois de ter arrancado esta extensão de campos e florestas das mãos dos inimigos, há dois séculos, permitiu-se uma homenagem ao grande pensador chinês para grande gáudio de alguns dos nossos vizinhos mais sóbrios, cujos domínios tinham nomes corriqueiros como Norgales e Brandísia. A nossa economia baseia-se nas trufas, em que as nossas florestas são fenomenalmente ricas, e na electricidade, que já exportávamos quando outros países ainda liam à luz de candeeiros a petróleo. O nosso exército é o melhor da região, e todos os militares são coronéis – eis o subtil segredo da governação do meu pai, para dizer a verdade. Nesta terra, todos os padres são bispos, todos os advogados de meia-tigela são juízes do Supremo Tribunal, todos os camponeses são latifundiários e todos os palermas que proclamam as suas ideias à esquina das ruas são Hegel em pessoa. O génio do meu pai consistiu em promover os seus súbditos, homens e mulheres, todos por igual, incessantemente; os cidadãos de Ho aquecem-se para todo o sempre ao sol do Êxito. Eu era o único homem do reino que se considerava um burro.»
[Donald Barthelme, 40 historias; trad. Paulo Faria, Antígona Maio 2013;
basto]
 

Sem comentários: