«Dos dezoito em diante (a idade com que Rimbaud passou pela sua crise), tornei-me completamente infeliz, desgraçado, destruído, desencorajado. Só uma mudança completa de ambiente parecia capaz de dissipar esse estado permanente. Aos vinte e um fui-me embora, mas não por muito tempo. Mais uma vez como Rimbaud, os primeiros voos foram desastrosos. Voltava sempre para casa, voluntária ou involuntariamente; sempre num estado de desespero. Não parecia haver uma saída, uma forma de levar a cabo a libertação. Aceitei as tarefas mais estúpidas, tudo o que não tinha inclinação para fazer. Como Rimbaud nas pedreiras de Chipre, comecei com pá e picareta, à jorna, como trabalhador migrante, vagabundo. Até no facto de ao sair de casa ter sido com a intenção de viver uma vida ao ar livre, de nunca mais pegar num livros, de viver à custa dos meus dois braços, de ser um homem dos campos abertos e não o cidadão desta aldeia ou daquela cidade, até nisto há uma semelhança com Rimbaud.
Contudo, a minha linguagem e as minhas ideias traíam-me constantemente. Quer eu quisesse quer não, eu era em absoluto um homem literário. Embora fosse capaz de me dar com quase qualquer tipo de pessoa, em especial com o homem vulgar, acabava sempre por parecer suspeito. Era bastante semelhante ao que se passava nas minhas visitas à biblioteca: o meu pedido estava sempre mal. Por maior que fosse a biblioteca, o livro que eu pedisse havia de estar sempre requisitado ou de me ser recusado por qualquer razão.»
[Henry Miller, O Tempo dos Assassinos; trad. Manuela R. Miranda, Hiena Editora, Outubro 1985]
2 comentários:
Vou levar um bocadinho :)
Ele há coincidências. Ainda há dias peguei nesse livro para ler, mas a letra é tão pequenina! No entanto, já encomendei os binóculos, por isso, está para breve.
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